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Com rios e lagoas pouco utilizados, RS aposta na concessão de terminais para impulsionar hidrovias

Atualmente, 3% do fluxo de cargas ocorre pela água no Estado, mas investimentos podem elevar participação para 12%



Mesmo sendo um dos pioneiros no transporte hidroviário no país ainda no século 19, o Rio Grande do Sul viu o modal perder espaço ao longo do tempo a ponto de hoje responder por somente 3% do fluxo de cargas no Estado. Mas, movimentos realizados recentemente na área, como a inauguração de terminais e concessões, reacenderam o debate sobre o papel da modalidade dentro da atual matriz gaúcha e alimentam a expectativa de que o trânsito de embarcações pelos cursos fluviais deslanche de vez, podendo alcançar 12% de participação, segundo algumas projeções.


Atualmente, o sistema hidroviário do Estado é composto por três portos públicos (Rio Grande, Porto Alegre e Pelotas, sendo este último recentemente concedido à iniciativa privada), cinco terminais arrendados em Rio Grande e outros 17 privados. No momento, o modal mobiliza estruturas em nove municípios e é utilizado para transportar grãos, fertilizantes, madeira, celulose e produtos químicos, entre outros itens.

As hidrovias para navegação interior, aquela praticada em rios, lagos, lagoas e canais, somam 766 quilômetros, envolvendo a Lagoa dos Patos, o Guaíba e os rios Gravataí, Jacuí, Taquari, Caí e Sinos. No entanto, o fluxo de cargas atual é concentrado em cerca de 300 quilômetros, entre a Grande Porto Alegre e Rio Grande. Nos anos 1970, o RS tinha 1,2 mil quilômetros de vias navegáveis.


Problemas de infraestrutura, como sinalização e dragagem insuficiente, burocracia para a criação de terminais e a dificuldade de competição em preço e tempo em relação ao modal rodoviário são apontados por especialistas em logística como fatores que levaram as hidrovias a murcharem nas últimas décadas.


Ex-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli ressalta que o Estado não aproveita ao máximo seu potencial e cita estudo da UFRGS que identificou 67 municípios com divisas com rios e que poderiam receber terminais e explorar a alternativa.

— Os rios são patrimônios naturais, uma dádiva que temos, mas não sabemos aproveitar —resume Manteli, que hoje preside a Hidrovias RS, associação que reúne representantes do setor de logística e entidades empresariais.


Para o dirigente, o melhor aproveitamento das hidrovias requer mudança de mentalidade. Na visão de Manteli, movimentos realizados neste ano, como a inauguração do terminal logístico do arroz no porto de Rio Grande e a concessão do porto de Pelotas à CMPC, representam avanços e podem indicar nova perspectiva ao setor nos próximos anos.


A navegação interna movimenta em torno de 8 milhões de toneladas de cargas no Rio Grande do Sul, segundo a Superintendência dos Portos RS. Isso representa cerca de 20% do fluxo de cargas do porto de Rio Grande, a principal porta de exportação e importação do Estado. Na navegação por cabotagem, que envolve trânsito entre portos do mesmo país sem perder a costa de vista, as estruturas gaúchas giram outros 10,9 milhões de toneladas anualmente, conforme a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).


O superintendente dos Portos do Rio Grande do Sul, Fernando Estima, enfatiza que, no momento, a prioridade do Estado é consolidar a navegação no eixo entre Rio Grande e Porto Alegre e não expandir hidrovias. Neste sentido, um dos principais desafios está em tornar a dragagem permanente, o que facilitaria a navegação.

No trecho considerado prioritário, há cerca de 80 quilômetros que exigem atenção especial.

— Demanda existe para o transporte, e a hidrovia tem potencial grande, mas temos de fazer o dever de casa. Queremos tornar a dragagem permanente e melhorar a sinalização — diz Estima.


O Estado pretende criar, a partir do segundo semestre, um sistema tarifário junto aos operadores do sistema, que viabilizaria levantar em torno de R$ 25 milhões ao ano. A cifra permitiria a contratação da dragagem permanentemente.


Presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura (Câmara Log), Paulo Menzel avalia que a dragagem permanente é uma das medidas que ajudariam a “criar clima” para o setor se desenvolver e atrair investimentos.

— Se tivéssemos nossas hidrovias dragadas, funcionando plenamente, a participação do modal na matriz do Estado poderia sair de 3% para até 12% em questão de anos. Mas um problema, no Rio Grande do Sul, é que muitas vezes a mercadoria que poderia ser embarcada está longe do rio — pondera.


Mesmo entre lideranças do modal rodoviário, o mais demandado e que responde por quase 90% da movimentação no Estado, o desenvolvimento das hidrovias é visto como um desafio a ser perseguido. Essa é a percepção do presidente do Sistema Federação das Empresas de Logística e Transporte de Cargas no Estado (Fetransul), Afrânio Kieling:

— Não somos contra o setor hidroviário e há situações que nem sequer competimos com ele.

Kieling enfatiza que o entrosamento entre modais é a melhor opção para o desenvolvimento do Estado, mas para isso ocorrer são necessários investimentos em melhorias nas infraestruturas atuais.


Outros movimentos


  • Além da navegação interior, outras ações recentes no Estado podem ajudar a intensificar o transporte de cargas por águas. Uma das mais emblemáticas foi a homologação pela Marinha do novo calado do porto de Rio Grande, em outubro de 2020, de 12,8 para 15 metros no canal interno

  • Foi viabilizada com investimento federal de R$ 500 milhões na dragagem em dois anos. Rio Grande pode receber as maiores embarcações do mundo, com até 366 metros de comprimento. A expectativa é de que a movimentação de carga, em torno de 40 milhões de toneladas/ano, cresça até 10% a cada temporada

  • Também se avalia a possibilidade de construção de novo porto em Arroio do Sal, no Litoral Norte, que contaria com investimento privado. O projeto ainda está sendo elaborado e tem apoio do empresariado da Serra

  • Mas, entre a superintendência de portos do RS e lideranças do setor hidroviário, a iniciativa em Arroio do Sal é vista com ceticismo. Reservadamente, diferentes dirigentes citam dificuldades técnicas, ambientais e logísticas para o projeto sair do papel


Impacto das concessões

A realização de concessões à iniciativa privada é uma das alternativas que deve ganhar fôlego nos próximos anos no objetivo de destravar investimentos no modal. Em abril, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal, o porto de Pelotas foi o primeiro a ser privatizado. A fabricante de celulose CMPC, que já operava no complexo desde 2016, arrematou por R$ 10 mil o direito de exploração do terminal por 10 anos.


Recentemente, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, sinalizou que o governo federal fará estudos para a concessão do canal de acesso do porto de Rio Grande. Além disso, Fernando Estima projeta que novas áreas em Porto Alegre e Pelotas devem ser cedidas nos próximos meses, configurando-se em novos terminais privados. Um dos trechos citados pelo dirigente é o entorno da nova ponte do Guaíba.


No caso do porto de Pelotas cedido à CMPC, na prática, pouca coisa mudará no dia a dia, já que a estrutura foi desenvolvida e já era operada pela fábrica de celulose nos últimos cinco anos. A empresa, que também possui um terminal privado em Guaíba, ao lado da fábrica, tem nas hidrovias um dos seus eixos fundamentais de funcionamento.


A companhia envia toda sua exportação de celulose, em torno de 1,7 milhão de toneladas ao ano, em barcaças de Guaíba até Rio Grande e, de lá, para o mundo. Na volta, a mesma embarcação para em Pelotas para ser carregada com toras de madeira e segue rumo à Região Metropolitana. São movimentadas cerca de 1 milhão de toneladas de toras, o que equivale a 20% de todo o insumo utilizado na unidade.


As viagens Guaíba-Rio Grande- Pelotas-Guaíba se repetem diversas vezes a cada semana e fazem da CMPC uma das empresas que melhor aproveita o modal no país. Apenas a fábrica de celulose responde por quase um terço de toda a movimentação nas hidrovias do Estado.

— No nosso caso, o transporte hidroviário é mais barato, eficiente e seguro. Estamos falando de uma grande escala, de 2,7 milhões de toneladas de carga. Um caminhão carregado com madeira conseguiria levar menos de 40 toneladas por vez — explica Mauricio Harger, diretor-geral da CMPC, que enfatiza que a operação ajuda a retirar cerca de 100 mil caminhões das estradas ao ano.


Pelo contrato da concessão, a CMPC irá investir R$ 16 milhões em melhorias na infraestrutura do porto de Pelotas. A estimativa é de que a operacionalização do terminal resulte em 40 empregos diretos e outros 200 indiretos.


Harger, no entanto, enfatiza que os aportes irão além. Nos próximos meses, a empresa deverá realizar dragagem na área industrial de Guaíba, totalizando R$ 30 milhões, e investir em torno de R$ 10 milhões em guindastes para o terminal.


Mercado da navegação exige alto investimento


O Rio Grande do Sul conta atualmente com 13 empresas de navegação que operam nas hidrovias gaúchas, sendo quatro delas especificamente dedicadas ao transporte de cargas. Os dados são do Sindicato dos Armadores de Navegação Interior dos Estados da Região Sul e do Mato Grosso do Sul (Sindarsul).


Mesmo com iniciativas focadas na alavancagem do segmento nos últimos anos, como a criação de novos terminais privados, e a perspectiva de concessões na área, o presidente do Sindarsul, Fernando Becker, avalia que dificilmente novas companhias de navegação vão ingressar no mercado gaúcho.


— O investimento que uma empresa de navegação precisaria fazer (para entrar no mercado local) é muito alto, em torno de R$ 100 milhões. Ela precisaria conseguir um contrato que lhe desse garantia de retorno desse aporte. Isso só aconteceria se surgisse uma nova CMPC — considera Becker, que também é presidente do conselho de administração da Navegação Aliança, que responde por quase metade do transporte de cargas por hidrovias no Rio Grande do Sul.


lém disso, Becker vê dificuldades para o transporte hidroviário voltar a ser competitivo em localidades onde o fluxo foi intenso no passado, como Cachoeira do Sul, no Rio Jacuí, e Estrela, no Rio Taquari. O dirigente lembra que os terminais nessas cidades se desenvolveram em torno da indústria de moagem de soja. Com a implementação da Lei Kandir, nos anos 1990, produtos primários e semielaborados voltados para a exportação, como a oleaginosa em grão, passaram a ter isenção de ICMS e isso impactou a demanda das moageiras das cidades, que fecharam as portas e acabaram resultando na queda do envio de cargas para Rio Grande pelas vias fluviais.

— Nesse meio tempo, as estradas foram duplicadas e os caminhões ganharam espaço. Em um trecho como Estrela a Porto Alegre, longo, sinuoso, com dificuldades de calado e de navegação, há forte concorrência do transporte rodoviário — aponta Becker.


Terminal Santa Clara projeta crescimento


Uma das estruturas privadas mais concorridas no Estado, o terminal de contêineres (Tecon) Santa Clara, localizado em Triunfo, na Região Metropolitana, chegará ao seu quinto aniversário registrando fluxo cada vez maior de cargas por hidrovias. Em 2020, foram transportados 47,3 mil contêineres de 20 pés de comprimento, avanço de 2,8% frente ao ano anterior. Desde 2016, quando começou a operação, foram movimentadas 170 mil unidades, resultando em 1,5 mil viagens de embarcações pelo Rio Jacuí, entre Triunfo e Rio Grande.


A estrutura foi reativada a partir de uma parceria entre a Wilson Sons, operadora também do Tecon Rio Grande, e a Braskem para atender principalmente as empresas instaladas na região do polo petroquímico. Empresas da Serra também têm recorrido ao terminal para enviar e receber cargas. Entre as mercadorias mais movimentadas estão resinas, madeira, produtos químicos, frango congelado, borrachas e utensílios domésticos.


Na avaliação do diretor-presidente dos terminais de contêineres Santa Clara e de Rio Grande, Paulo Bertinetti, os números evidenciam o potencial que existe para a navegação interior no Rio Grande do Sul.

— Santa Clara já é um terminal estabelecido. Há um potencial grande e imaginamos que, com a infraestrutura atual e mais embarcações, podemos a chegar a 38 mil contêineres ao ano — projeta Bertinetti.


Hoje, a movimentação entre Santa Clara e Rio Grande é realizada com duas barcaças e já se cogita a implementação de uma terceira no futuro, ainda sem data definida. O dirigente vê também potencial para novos terminais privados em outros municípios, como Estrela.


Fonte: GZH Economia

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